Levítico: Os cananeus e a prostituição cultual


Outro texto largamente utilizado para condenar os homossexuais é Levítico 18.22 e 20.13:

“Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação é”. (18.22 ARA)
“Se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles.”. (20.13 ARA)

Existem vários pontos a se considerar sobre esses versículos, entre eles: se existe condenação à homoafetividade, por que o sexo entre mulheres não foi mencionado? Por que as igrejas cristãs tradicionais não defendem a morte para os homossexuais? O texto é bem claro ao impor a morte àqueles homens que praticassem atos homogenitais (20.13b). Não o fazem porque interpretam alguns textos de forma seletiva, utilizando versículos e trechos isolados, violando a regra da contextualização. Nos textos em questão, o descumprimento das leis da Exegese pela maioria dos cristãos é incontestável, pois desconsideram grande parte dos mandamentos ali contidos, como, por exemplo, a proibição de comer gordura (7.23), mariscos (11.12) ou de usar roupas de diferentes tecidos (19.19). É muito fácil defender um dogma considerando-se apenas uma parte isolada de um texto.

O texto original diz, literalmente, “com outro homem não te deitarás como o deitar de uma mulher”.  Fica claro, na forma como o texto original foi escrito, tanto em 18.22 como em 20.13, que, embora o pecado seja cometido por duas pessoas, tal condenação está centrada no papel passivo da relação homogenital. Como exposto no capítulo anterior, tal papel era sinônimo de submissão e ultraje para qualquer homem, pois o tornava semelhante a uma mulher. Era assim que os prostitutos cultuais dos templos pagãos se submetiam às relações sexuais de seus rituais. Israel fora chamado para ter supremacia sobre os outros povos (Deuteronômio 28.1 e 13). Qualquer ato que significasse subserviência ou humilhação não seria tolerado. Vejamos alguns pontos importantes do texto em questão:

1) “Não imiteis as práticas do Egito onde moraste. Não imiteis as ações que se praticam em Canaã, aonde vos estou levando; não sigais os seus costumes. 21) Não darás nenhum de teus filhos para os fazeres passar pelo fogo a Moloque, nem profanarás o nome de teu Deus; eu sou Jeová. 22) Não te deitarás com homem, como se fosse mulher; é uma abominação. 23) Nem te deitarás com animal, para te contaminares com ele, nem a mulher se porá perante um animal, para ajuntar-se com ele; é confusão. 24) Não vos contamineis com nenhuma dessas coisas, porque é assim que se contaminaram as nações que vou expulsar diante de vós. 27) Porque todas estas abominações fizeram os homens desta terra, que nela estavam antes de vós; e a terra foi contaminada. 29) Porém, qualquer que fizer alguma destas abominações, sim, aqueles que as fizerem serão extirpados do seu povo.” (Levítico 18 ARA)

O texto bíblico (v.1) refere-se a todos esses atos como práticas e costumes cananeus, indicando algo que vai além de condutas esporádicas, de uma pequena parcela da comunidade, como as relações homoafetivas. Segundo as pesquisas, os homossexuais estão estimados entre 5% a 10% da população e apenas uma parcela desse percentual encontra-se em situação de união monogâmica estável. As práticas relatadas em Levítico 18 eram costumeiras naqueles povos e algumas delas estavam associadas a ritos religiosos. Algumas expressões do texto em estudo revelam que todas essas práticas faziam parte do cotidiano dos povos cananeus, não eram condutas isoladas, mas algo generalizado como indica a sentença “a terra foi contaminada” (v.27b).

É interessante notar que a lista de proibições sexuais muda drasticamente quando o versículo 21 introduz a proibição das práticas idolátricas, neste caso, a devoção ao deus Moloque, uma divindade conhecida pelos seus ritos licenciosos e pelo sacrifício de crianças. Em seguida, surgem as proibições aos atos homogenitais entre homens e às práticas sexuais com animais.

Nos capítulos 18 e 20, há referências às práticas sexuais dos cananeus como “leis ou estatutos” daquelas nações (18.30; 20.22 e 23), o que confirma a forte ligação desses costumes com a cultura, as divindades e os rituais locais. Jeová ordenou que Israel seguisse suas leis e seus estatutos, não as leis e estatutos dos deuses pagãos. Percebemos, pela leitura de Levítico 18.21-24, que Deus deseja preservar Israel das práticas sexuais idolátricas dos povos estrangeiros que havia na terra de Canaã:

“Portanto guardareis o meu mandado, não fazendo nenhum dos estatutos abomináveis que se fizeram antes de vós, e não vos contamineis com eles: Eu [sou] o Senhor vosso Deus.” (18.30 ARC)
“Guardareis todos os meus estatutos, todas as minhas normas e os porei em prática; assim não vos vomitará a terra à qual vos conduzo para nelas habitardes. Não seguireis os estatutos das nações que eu expulso de diante de vós, pois elas praticaram todas estas coisas e, por isso me aborreci delas.” (20.23 e 23 BJ)

Em Deuteronômio 23. 17 e 18, encontramos uma clara alusão a esse tipo de ritual:

17) “Não haverá mulher israelita que se prostitua em rituais (qedesha), nem haverá quem faça isso entre os homens israelitas (qedesh). 18) Não trarás o salário da prostituta (qedesha) nem o pagamento do prostituto (keleb) para a casa do Senhor teu Deus para pagar voto algum, pois essas duas coisas são abominação (toevah) para o Senhor teu Deus”.

As religiões cananeias enfatizavam a capacidade reprodutora da terra, as colheitas e tudo que estava ligado à fertilidade, visto que aqueles povos eram essencialmente agrícolas.

Essa ênfase explica a importância dos intercursos sexuais em suas cerimônias. Seus cultos incluíam ritos, muito comuns naquelas religiões, como a prostituição sagrada ou cultual, rituais em honra à fecundidade, celebrados com práticas orgíacas, principalmente em devoção aos deuses Moloque, Milcom, Astarote e Baal. Escavações arqueológicas revelaram que os seus templos eram centros de vícios orgíacos, com sacerdotes agindo como prostitutos homossexuais e sacerdotisas prostitutas.

O sexo em nossa cultura não constitui elemento vinculado a rituais religiosos, exceto em circunstâncias muito específicas. Nenhuma forma de sexo, hoje, seja homossexual ou heterossexual, tem a conotação cultural ou religiosa proibida em Levítico. Assim, tal código torna-se irrelevante para direcionar ou prescrever uma conduta heteronormativa.


Se deseja UMA ORAÇÃO OU ACONSELHAMENTO entre em contato através do e-mail: wesley_cavalcante@hotmail.com ou jovensgayscristaos@hotmail.com.

Que Deus te abençoe!

Wesley Cavalcante Silva

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4 comentários :

  1. Parabéns pela explicação. Eu a procurava há muito tempo. Este tipo de trabalho é muito revelante, sobretudo pelo estigma que se faz dos homossexuais por "fundamentos" bíblicos.

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  2. Ler a biblia de forma literal ou separar textos de seus contextos é uma forma muito utilizada para discriminar os homossexuais. O que se faz é simplesmente omitir os textos comprometedores para a doutrina e moralmente superados pela sociedade e enfatizar questões que ainda não estão moralmente superadas como da homossexualidade.

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  3. Muito bom. A tempos buscava por essas explicações. lendo compulsivamente cada post do blog. Parabens aos criadores e redatores. Que Deus continue guiando-os sempre para confortar as almas que sofrem em agonia.

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  4. Obrigado!! Você foi de grande ajuda. Procurava há tempos algo assim, pois havia um vácuo nos que eu já aprendi sobre o assunto. Que Deus abençoe a todos.

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